Ações regressivas das seguradoras contra concessionárias de energia elétrica – de quem é a prova?

Questão outrora pacífica nos tribunais pátrios, a matéria referente à responsabilidade das concessionárias de energia elétrica por danos causados aos equipamentos dos consumidores ligados à rede vem se mostrando atualmente controvertida, principalmente quando seguradoras figuram no polo ativo de uma demanda.

Tais demandas, denominadas “regressivas”, são originadas quando um consumidor, que possui um contrato de seguro com cobertura para danos elétricos, sofre danos em seus equipamentos. A seguradora, após a competente análise e regulação do evento danoso, conceituado como “sinistro” no jargão securitário, confirma que o fato ocorrido possui cobertura na apólice e indeniza seu segurado com o valor correspondente ao prejuízo sofrido.

No momento do pagamento da indenização, a seguradora se sub-roga nos direitos de seu segurado e, possuindo elementos de prova que demonstrem a responsabilidade da concessionária distribuidora de energia pelos danos, propõe a demanda regressiva contra esta, consoante a faculdade prevista no inciso III artigo 346 e artigo 786, ambos do Código Civil, além da Súmula 188 do STF.

Nestes casos, a responsabilidade da concessionária, eis que prestadora do serviço público, é objetiva. Ou seja, ela responderá ao consumidor, no caso a seguradora sub-rogada nos direitos de seu segurado, independentemente de culpa, bastando a comprovação dos danos e do nexo de causalidade entre o fato ocorrido e a prestação do serviço.

Na atualidade se nota a tendência de alguns tribunais em minimizar o conceito da responsabilidade objetiva que norteia as demandas em comento. Tais decisões tem atribuído força probante a documentos elaborados pela própria concessionária de energia, que na maioria das vezes se traduzem em meras declarações assinadas por funcionários ou até mesmo relatórios, também unilaterais e desacompanhados de documentos técnicos, que simplesmente aduzem não ter havido qualquer “intercorrência no dia dos fatos”, o que serve como fundamento para a improcedência da ação.

A teor do conceito da responsabilidade objetiva, tais documentos não devem prevalecer frente aqueles juntados pelas seguradoras, principalmente laudos técnicos efetivados por profissionais terceirizados, com expertise reconhecida na área, que atestam que os danos ocorreram por falha no fornecimento de energia elétrica, seja por oscilação no fornecimento, por queda de energia ou descargas elétricas na rede. Se os documentos juntados demonstram o fato e o nexo de causalidade, a responsabilidade da concessionária é inconteste.

Aliado a isso, também houve decisões no sentido de considerar-se imprescindível a perícia judicial dos equipamentos danificados, desconsiderando-se os laudos técnicos apresentados pelas seguradoras e que serviram por base ao pagamento da indenização aos seus segurados.

Utilizando também tal enfoque, foi instaurado um Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas junto ao Tribunal de Justiça de São Paulo, com o objetivo de uniformizar jurisprudências em casos de danos elétricos decorrentes de descargas elétricas, tendo por elementos primordiais os seguintes pontos: a indispensabilidade da realização de perícia judicial nos aparelhos danificados (ou se basta tão somente a comprovação da danificação dos mesmos); necessidade ou não da comprovação do pedido administrativo anterior à demanda efetivado junto à concessionária de energia elétrica; prazo prescricional aplicado a demandas desta natureza: se quinquenal do Código de Defesa do Consumidor ou se trienal da reparação de danos do Código Civil.

Recentemente foi publicada decisão não admitindo referido Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, por falta de pressuposto processual previsto no artigo 976 do Código de Processo Civil. Não houve, pois, análise do mérito do IRDR.

Contudo, fato que não se pode negar é a ocorrência de várias decisões pátrias que vem sucessivamente relativizando a responsabilidade objetiva que norteia as demandas regressivas articuladas pelas seguradoras em desfavor das concessionárias de energia elétrica, previsão esta consubstanciada não só na Constituição Federal, como também no Código de Defesa do Consumidor.

Existente nos autos a prova cabal juntada pela seguradora que os danos havidos nos equipamentos foram oriundos de falha na prestação do serviço da concessionária e não tendo esta comprovado excludentes de sua responsabilidade, a ação deve ser julgada procedente.

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